Ainda que eu pareça arrogante ou prepotente, eu confesso que estou um pouco cansado de viajar. É injusto, um desleixo, chega a ser quase um absurdo, mas é verdade.
Parar em casas que não são a minha, não ter uma mesa, não poder dizer não quando sou convidado, não ter um espaço próprio, ter que falar todo o tempo sobre minha vida, minhas viagens e como eu cheguei em determinado lugar.
Desde minha primeira viagem há mais de seis anos, estive em algumas partes do mundo. E não vou dizer, por mais que gostasse de acreditar, que fiquei mais inteligente, rico ou encaminhado na vida. Há momentos em que tudo vai por água abaixo. Viajar nem sempre é bonito, nem sempre é confortável. Às vezes dói e quebra seu coração. Deixa marcas na sua memória, em sua consciência, em seu coração e em seu corpo. Durante anos, até a mais bela paisagem acaba se transformando em um plano de fundo em movimento. E mover-se ininterruptamente tem o seu preço. Em parte eu sou culpado e a vítima de perpetuar a história unilateral dos méritos da viagem prolongada.
Entretanto existem lugares que resgatam sua fé. Locais que servem para regenerar, dar um gás e nos recolocar na linha. Que fazem valer a pena e superada cada pequena frustração.
A Patagônia na sua forma mais clara, tangível, acessível. Onde a natureza quebra o seu silêncio quando fragmentos mergulham nos rios de gelo. Não importa quantos já tenham andado por aqui; para mim, é sempre uma descoberta digna de olhares obcecados. Um alento à mente combalida.
De todos os lugares que eu já estive nesse mundo, talvez esse seja um dos mais aliciadores. Onde mesmo as hordas de turistas se rendem caladas frente à imensidão.
Fronteiras de um azul puro, geleiras que emolduram o pôr do sol, vales de rochas esculpidas e uma beleza selvagem. Uma viagem curta à Antártida. Uma emboscada por trás da grande barreira de gelo, alguns quilômetros de terreno difícil e logo somente o mar. O fim do mundo.
Como formigas escalando a lombo de um velho dinossauro, alguns se aventuram calçando bases de ferro e tornam-se invisíveis sobre a geleira. Outros, perplexos, pairam estáticos sobre olhares de descrença dada pela realização de um sonho.
Que fique bem claro, você nunca, de maneira nenhuma, vai conseguir por fotos ou vídeos ter e sentir a real dimensão desse lugar. O quão imensa a natureza é e como ela nos coloca no nosso lugar, o quão pequeno somos.
Mas leve isso como um incentivo. Dada a chance, você deveria vir até aqui, mesmo que isso signifique abdicar de outras coisas. O desejo por explorar o desconhecido nunca se tornará mais fácil, só desaparecerá aos poucos. Começará parecer cada vez mais com uma peça de arte cara demais para ser comprada.
E, no fim, você irá me agradecer.
– Glaciar Perito Moreno, El Calafate.
Last modified: 24 de julho de 2017